sábado, 30 de agosto de 2008

O encontro de Ernesto Nazareth e Francisco Mignone


Encontrei esse vídeo faz tempo, mas acho que tem muita gente que ainda não conhece.

Nele o grande compositor e pianista Francisco Mignone conta como foi seu encontro com Ernesto Nazareth, na Casa de Música Eduardo Souto em meados de 1917. Mignone estava com 20 e Nazareth com 54 anos, a essa altura já um compositor de sucesso.
Vale sublinhar o trecho em que Mignone relata como Nazareth gostava que sua música fosse tocada; ele teria dito:

Toda a minha música é estropiada, eles tocam tão depressa...o "Apanhei-te Cavaquinho" é um desastre!...

Que isso seja levado em conta pelos novas gerações de músicos que tocam, ou pretendem tocar Ernesto Nazareth...

Vamos ao vídeo!



Ernesto Nazareth (1863-1934)

Um dos maiores nomes da música brasileira, como compositor e como intérprete, transitando com igual desenvoltura entre o erudito e o popular. Dentro do Choro, tem uma importância tão grande que pode ser colocado no mesmo patamar de Pixinguinha, Joaquim Callado e Jacob do Bandolim. Aliás, foi Jacob o responsável pelo resgate muitas músicas de Nazareth, colocando o compositor de vez no repertório das rodas de Choro.
"Odeon", "Brejeiro", "Apanhei-te Cavaquinho" e "Ameno Resedá" estão entre suas mais famosas composições.

Francisco Mignone (1897-1986)

Pianista, compositor e regente, Francisco Mignone foi um músico erudito que por vezes atuou na música popular, ocosiões em que adotava o pseudônimo de Chico Bororó. Como compositor explorou a temática brasileira em diversas peças sinfônicas, sendo um dos principais nomes de nossa música erudita. Atuou no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos; participou do Movimento Modernista de 1922 e foi fundador do Conservatório Brasileiro de Música.
Em 1978 gravou com sua esposa, a também pianista Maria Josefina, um LP inteiramente dedicado às obras de Ernesto Nazareth.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

A letra desconhecida para o "Carinhoso" de Pixinguinha


Pedro Caetano escreveu para o "Carinhoso" uma letra que nunca chegou a ser lançada.

No dia 17 de fevereiro de 1983 faziam dez anos que a música brasileira ficava órfã de Pixinguinha. Na ocasião, o jornal Folha da Manhã, de São Paulo, publicou uma reportagem com o seguinte título: "Há dez anos a MPB perdia seu mestre". O jornalista assinava apenas como J.M.C.

Depois de alguns comentários biograficos a reportagem chegava à uma história bastante curiosa contada pelo pesquisador de música brasileira João Luiz Ferrete, acontecida uma semana antes da entrevista, história esta que aqui transcrevo na íntegra:

Estava o Pedro Caetano em minha casa papeando, quando veio à baila a história de "Carinhoso", cuja música foi composta em 1917. Foi quando ele me contou um episódio inédito sobre a gravação da música em 1937, por Orlando Silva. O cantor, que não gostara da letra de João de Barro, o Braguinha, confidenciou ao seu irmão Edmundo Silva o fato. Este pediu a Pedro Caetano que fizesse outra letra. Orlando chegou a decorar a letra alternativa, mas Braguinha, que era muito esperto, já assinara o contrato para a gravação de sua letra com a RCA Victor. Orlando, que foi ao estúdio disposto a gravar a letra de Pedro Caetano, viu-se forçado, a contragosto, a cantar a letra de Braguinha, esta que todos conhecemos hoje.

Pedro Caetano (1911-1992) nasceu em Bananal, SP, mas mudou-se para o Rio de Janeiro aos 9 anos de idade, onde viveu até o fim da vida. Foi compositor de destaque da chamada Época de Ouro da MPB, tendo Claudionor Cruz como seu mais freqüente parceiro musical. Compôs sambas, marchas e valsas gravadas por grandes nomes como Francisco Alves, Orlando Silva, Cyro Monteiro e Dircinha Batista. As novas gerações sem dúvida o conhecerão pela música "É com esse que eu vou", gravada em 1973 por Elis Regina, aliás, em arranjo bem diferente da gravação original de 1948 com o grupo vocal Quatro Ases e Um Coringa, que foi destaque no carnaval daquele ano. Apesar do grande sucesso artístico, o compositor sempre trabalhou como comerciante de sapatos.
Sobre a letra que escreveu para o "Carinhoso" de Pixinguinha, Pedro Caetano, já na casa dos 70 anos, confessou à reportagem do Folha da Manhã: "Hoje não assinaria uma letra com linguagem tão cafona como esta. Mas o estilo das letras da época era este."

Apesar de achar que qualquer brasileiro sabe (ou pelo menos deveria saber...) de cor e salteado a letra original do Carinhoso, feita pelo Braguinha, aqui vai ela:

Meu coração
Não sei porquê
Bate feliz
Quando te vê


E os meus olhos ficam sorrindo

E pelas ruas vão te seguindo
Mas mesmo assim

Foges de mim

Ah, se tu soubesses

Como eu sou tão carinhoso

E o muito, muito que te quero

E como é sincero o meu amor

Eu sei que tu não fugirias

Mais de mim

Vem, vem, vem, vem


Vem sentir o calor
Dos lábios meus
À procura dos teus

Vem matar esta paixão
Que me devora o coração

E só assim então

Serei feliz, bem feliz

Agora a letra que Pedro Caetano fez atendendo ao pedido do amigo Edmundo Silva, irmão de Orlando Silva, já que não havia agradado ao cantor a letra do Braguinha, esta aí em cima que todos conhecemos. Eis a letra alternativa, que nunca chegou a ser lançada (tente cantá-la sobre a melodia da música e perceba que encaixa perfeitamente):

Na mansidão
Do teu olhar
Meu coração
Viu passear

Uma feliz e meiga bonança
Quis abraçar, sentiu esperança
Mas eu fugi

Sem lhe sorrir

Preso à sensação
Daquele quadro que a ilusão
Descortinou tão docemente

Parte cegamente a suspirar
Por uma luz que mal surgiu
Viu se apagar
Vem, vem, vem, vem

Traz ao fosco brilhar

Dos olhos meus
A caricia dos seus

Vem sentir o quanto é bom

E carinhoso, vem afogar
Este coração
Que a solidão quer matar

Viu só? A letra do Braguinha realmente é melhor, mas não acho que a versão do Pedro Caetano seja assim tão cafona, como o próprio disse.
Curioso é perceber as semelhanças das letras. O vocabulário das duas é comum a qualquer canção romântica, daquela e de qualquer época: "coração", "olhos", "olhar", "feliz", "sorrir", "fugir". Mas perceba que as duas primeiras estrofes passam mais ou menos a mesma imagem, a mesma metáfora. Além disso, e ainda mais interessante, é o que ocorre no fim da 3ª e começo da 4ª estrofes: a melodia de Pixinguinha sugeriu aos dois poetas a mesma letra ("Vem, vem, vem, vem"), e em seguida quase a mesma rima ("meus/teus" e "meus/seus", respectivamente).

Com letra de Braguinha, ou de Pedro Caetano, o fato é: que música maravilhosa!