No dia 17 de fevereiro de 1983 faziam dez anos que a música brasileira ficava órfã de Pixinguinha. Na ocasião, o jornal Folha da Manhã, de São Paulo, publicou uma reportagem com o seguinte título: "Há dez anos a MPB perdia seu mestre". O jornalista assinava apenas como J.M.C.
Depois de alguns comentários biograficos a reportagem chegava à uma história bastante curiosa contada pelo pesquisador de música brasileira João Luiz Ferrete, acontecida uma semana antes da entrevista, história esta que aqui transcrevo na íntegra:
Estava o Pedro Caetano em minha casa papeando, quando veio à baila a história de "Carinhoso", cuja música foi composta em 1917. Foi quando ele me contou um episódio inédito sobre a gravação da música em 1937, por Orlando Silva. O cantor, que não gostara da letra de João de Barro, o Braguinha, confidenciou ao seu irmão Edmundo Silva o fato. Este pediu a Pedro Caetano que fizesse outra letra. Orlando chegou a decorar a letra alternativa, mas Braguinha, que era muito esperto, já assinara o contrato para a gravação de sua letra com a RCA Victor. Orlando, que foi ao estúdio disposto a gravar a letra de Pedro Caetano, viu-se forçado, a contragosto, a cantar a letra de Braguinha, esta que todos conhecemos hoje.
Pedro Caetano (1911-1992) nasceu em Bananal, SP, mas mudou-se para o Rio de Janeiro aos 9 anos de idade, onde viveu até o fim da vida. Foi compositor de destaque da chamada Época de Ouro da MPB, tendo Claudionor Cruz como seu mais freqüente parceiro musical. Compôs sambas, marchas e valsas gravadas por grandes nomes como Francisco Alves, Orlando Silva, Cyro Monteiro e Dircinha Batista. As novas gerações sem dúvida o conhecerão pela música "É com esse que eu vou", gravada em 1973 por Elis Regina, aliás, em arranjo bem diferente da gravação original de 1948 com o grupo vocal Quatro Ases e Um Coringa, que foi destaque no carnaval daquele ano. Apesar do grande sucesso artístico, o compositor sempre trabalhou como comerciante de sapatos.
Sobre a letra que escreveu para o "Carinhoso" de Pixinguinha, Pedro Caetano, já na casa dos 70 anos, confessou à reportagem do Folha da Manhã: "Hoje não assinaria uma letra com linguagem tão cafona como esta. Mas o estilo das letras da época era este."
Apesar de achar que qualquer brasileiro sabe (ou pelo menos deveria saber...) de cor e salteado a letra original do Carinhoso, feita pelo Braguinha, aqui vai ela:
Meu coração
Não sei porquê
Bate feliz
Quando te vê
E os meus olhos ficam sorrindo
E pelas ruas vão te seguindo
Mas mesmo assim
Foges de mim
Ah, se tu soubesses
Como eu sou tão carinhoso
E o muito, muito que te quero
E como é sincero o meu amor
Eu sei que tu não fugirias
Mais de mim
Vem, vem, vem, vem
Vem sentir o calor
Dos lábios meus
À procura dos teus
Vem matar esta paixão
Que me devora o coração
E só assim então
Serei feliz, bem feliz
Agora a letra que Pedro Caetano fez atendendo ao pedido do amigo Edmundo Silva, irmão de Orlando Silva, já que não havia agradado ao cantor a letra do Braguinha, esta aí em cima que todos conhecemos. Eis a letra alternativa, que nunca chegou a ser lançada (tente cantá-la sobre a melodia da música e perceba que encaixa perfeitamente):
Na mansidão Do teu olhar
Meu coração
Viu passear
Uma feliz e meiga bonança
Quis abraçar, sentiu esperança
Mas eu fugi
Sem lhe sorrir
Preso à sensação
Daquele quadro que a ilusão
Descortinou tão docemente
Parte cegamente a suspirar
Por uma luz que mal surgiu
Viu se apagar
Vem, vem, vem, vem
Traz ao fosco brilhar
Dos olhos meus
A caricia dos seus
Vem sentir o quanto é bom
E carinhoso, vem afogar
Este coração
Que a solidão quer matar
Viu só? A letra do Braguinha realmente é melhor, mas não acho que a versão do Pedro Caetano seja assim tão cafona, como o próprio disse.
Curioso é perceber as semelhanças das letras. O vocabulário das duas é comum a qualquer canção romântica, daquela e de qualquer época: "coração", "olhos", "olhar", "feliz", "sorrir", "fugir". Mas perceba que as duas primeiras estrofes passam mais ou menos a mesma imagem, a mesma metáfora. Além disso, e ainda mais interessante, é o que ocorre no fim da 3ª e começo da 4ª estrofes: a melodia de Pixinguinha sugeriu aos dois poetas a mesma letra ("Vem, vem, vem, vem"), e em seguida quase a mesma rima ("meus/teus" e "meus/seus", respectivamente).
Com letra de Braguinha, ou de Pedro Caetano, o fato é: que música maravilhosa!
Curioso é perceber as semelhanças das letras. O vocabulário das duas é comum a qualquer canção romântica, daquela e de qualquer época: "coração", "olhos", "olhar", "feliz", "sorrir", "fugir". Mas perceba que as duas primeiras estrofes passam mais ou menos a mesma imagem, a mesma metáfora. Além disso, e ainda mais interessante, é o que ocorre no fim da 3ª e começo da 4ª estrofes: a melodia de Pixinguinha sugeriu aos dois poetas a mesma letra ("Vem, vem, vem, vem"), e em seguida quase a mesma rima ("meus/teus" e "meus/seus", respectivamente).
Com letra de Braguinha, ou de Pedro Caetano, o fato é: que música maravilhosa!
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