sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O vídeo de Jacob do Bandolim


Outro vídeo que já rola na internet há certo tempo, mas que por sua relevância não poderia deixar de ser publicado aqui no Quintal.

Na minha opinião, Jacob do Bandolim é o segundo nome mais importante da história do Choro, só perdendo para Pixinguinha.
A exemplo de outros grandes nomes de sua e de épocas anteriores, os registros videográficos de Jacob são raríssimos, se resumindo a poucos segundos de vídeo sem áudio, parte de uma entrevista cedida a um repórter da Rede Globo, na década de 1960.
Haveriam muito mais vídeos não fosse um incêndio que destruiu o arquivo da Rede Record, acabando com os registros do programa "Noite dos Choristas", apresentado por ele na década de 1950.

O vídeo a seguir está disponível para download no site do Instituto Jacob do Bandolim. Vale a pena visitar, pois há também partituras, músicas em MP3 e muitas informações sobre este grande mestre do Choro.

Vamos ao vídeo!

terça-feira, 23 de setembro de 2008

"O Choro", de Alexandre Gonçalves Pinto


Esta é a primeira resenha da série Biblioteca do Choro, onde comentarei os principais livros ligados ao gênero. A exemplo da "Biblioteca", haverá também a Discoteca do Choro, com resenhas de discos, que já está sendo preparada.


Alexandre Gonçalves Pinto, o "Animal".

Não há dados biográficos precisos sobre Alexandre Gonçalves Pinto: conhecido como "Animal", ele provavelmente viveu entre 1870 e 1940, era carteiro e músico amador, tocava violão e cavaquinho.
O nome do Animal ficou imortalizado por conta do livro que publicou em 1936: "O Choro - reminiscências dos chorões antigos". Narrado em primeira pessoa, é um livro de memórias, que fala sobre as pessoas, as festas, e os costumes que Alexandre vivenciou nos seus muitos anos de Choro.

Muitas características fazem de "O Choro" um livro único. Em primeiro lugar, é dos poucos documentos a falar sobre o ambiente do Choro no Rio de Janeiro no final do século XIX e começo do século XX, trazendo centenas de pequenas notas biográficas sobre os chorões do período, muitos dos quais provavelmente nunca saberíamos da existência não fosse o livro. Há espaço também para falar de nomes já famosos na época, como Joaquim Callado, Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros, Luperce Miranda, Catulo da Paixão Cearense, etc. A linguagem é exagerada, sentimental e saudosista na maior parte do tempo.
Outra característica marcante do livro são os erros, tanto históricos como gramaticais; Alexandre conta, por exemplo, que Villa-Lobos tocava violino, quando na verdade tocava violoncelo e violão; também diz que o pai de Pixinguinha era um excelente flautista, coisa desmentida pelo próprio Pixinguinha; chega a afirmar que "a polka é como o samba - uma tradição brasileira"; enfim, os erros são inúmeros, mas deliciosos, pois acabam por transformar a narrativa numa conversa descontraída com o autor. É como sentar-se e ouvir as histórias de um velho chorão, sem cometer a indelicadeza de interrompê-lo mesmo quando se percebe que disse algo errado; somente ouvir e viajar nas memórias.

O livro começa com uma carta de Catullo da Paixão Cearense ao autor, datada de 28 de outubro de 1935. Ao que parece, o Animal pediu a Catullo para revisar e prefaciar o livro, coisa que não teria sido possível, conforme podemos constatar no primeiro parágrafo da carta publicada:
"O prefacio que me pediste para teu livro, fica para outra vez. Não te posso ser util nas correcções dos erros, porque só uma revisão geral poderia melhoral-o, o que é impossível, depois de o teres quase prompto."
E Catullo prossegue, já preparando o espírito do leitor:
"O leitor, porém, se deliciará com a sua leitura, fechando os olhos aos desmantelos grammaticaes, revivendo comtigo a historia desses chorões, que te ficarão devendo eternamente o serviço que lhes presta, arrancando-os do esquecimento. Só mesmo tu, com o teu grande coração, serias capaz de uma obra tão saudosa para os que, como eu, viveram naqueles tempos de immarcesciveis recordações."
A primeira edição saiu em 1936, impressa pela Typografia Glória. A segunda só sairia 32 anos depois, em 1978, pela FUNARTE, em edição fac-similar à primeira, ou seja, uma cópia exata como uma xerox, sem revisões ou correções. As duas edições estão esgotadas, naturalmente, sendo um dos tesouros que colecionadores e pesquisadores buscam pelos sebos. Há exemplares nas principais bibliotecas do Rio, mas não sei se estão disponíveis para consulta, já que se trata de um livro raro. A edição que eu li foi a de 1978; encontrei-a por acaso na biblioteca de um grande amigo, o maestro Isaías Ferreira, o Zazá, e peguei emprestada.



A esquerda, a capa da primeira edição de 1936; à direita, a capa da edição fac-similar da FUNARTE, de 1978: por dentro, tudo idêntico à primeira edição.

A boa notícia é que a Acari Records (gravadora especializada em Choro, criada por Maurício Carrilho e Luciana Rabello em 1999) promete uma nova edição para 2009.

Agora é esperar e correr pras livrarias!

Cotação Quintal do Choro: ótimo

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Partitura na roda de Choro?!


Roda de Choro na Praça São Salvador: violão, cavaquinho, flauta, pandeiro e... partitura?!

Já na primeira roda de Choro da qual participei, quando estudava na EPM, a cavaquinista Luciana Rabello disse: "Partitura na roda de Choro não dá!", chamando a atenção de alguns alunos que liam as músicas em vez de tocar de cor.

Eu participava de todas as rodas da escola, e cada vez aprendia mais: ia pegando um acorde aqui, outro ali, treinando o ouvido, conhecendo músicas, expandindo meu repertório. Me surpreendi quando certo dia consegui acompanhar ao violão, sem nunca ter ouvido antes, uma valsa que Álvaro Carrilho assobiava em sua flauta. Foi aí que eu entendi as palavras da Luciana, meses antes. "Partitura na roda de Choro não dá!". Se eu estivesse lendo, em vez de tocar de cor, ou tentar acompanhar na hora (como acontecia quase sempre, pois eu não conhecia a
maioria das músicas) nunca poderia ter aprendido tanto quanto aprendi com aqueles mestres.
E foi apanhando na roda que cresceram e aprenderam todos os mestres do Choro, de Joaquim Callado à Maurício Carrilho.

Foi exatamente por isso que me surpreendi ao ver a foto acima ilustrando uma matéria que saiu hoje no caderno Rio Show, do jornal O GLOBO. Assinada por Jefferson Lessa e Lauro Neto, a reportagem fala sobre a Praça São Salvador (no Rio, bairro de Laranjeiras), seus bares, freqüentadores e a roda de Choro que ela abriga todos os domingos.
Na foto, tudo que uma roda de Choro das boas têm direito: violão, violão 7 cordas, cavaquinho, pandeiro, flauta, clarinete, acordeon... mais aí, dividindo o espaço e tapando a visão entre os músicos, estão lá elas, as partituras!

Desde o começo dessa década o Choro vem embalado num vigoroso processo de revitalização e muitos músicos vêm (re)descobrindo e se dedicando ao gênero. No entanto, para que todo esse movimento não seja apenas uma fase e venha a levar, de fato, o Choro de volta ao centro de nosso cenário musical, esses iniciantes precisam ouvir as palavras de Luciana Rabello, uma das maiores mestras da atualidade:

Partitura na roda de choro não dá!

Um vídeo de uma roda no IV Festival Nacional do Choro, em fevereiro 2008, com professores e alunos, e sem partitura.
Dá-lhe Proveta!



domingo, 7 de setembro de 2008

Chorinho na Barca


Desde julho e até o fim desse ano estará acontecendo o "Chorinho na Barca".
Não percam, é com o pessoal da Escola Portátil de Música: Maurício Carrilho, Luciana Rabello, Pedro Paes, Paulo Aragão, Álvaro Carrilho, Pedro Amorim, Celsinho Silva, Oscar Bolão... só craque!

Clique na imagem.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

As mais remotas raízes do Choro em CD


Apesar do descaso costumeiro do Brasil em relação à própria História, os 200 anos da chegada de D. João VI ao Rio de Janeiro - marco do desenvolvimento urbano da cidade - estão sendo bem lembrados.


Agora em 2008 são comemorados os 200 anos da chegada da Família Real Portuguesa ao Rio de Janeiro, e por toda a cidade a data está sendo lembrada com exposições, concertos e vários lançamentos em livro e disco que resgatam a história, a cultura e a sociedade da época. Quando transformou-se na capital do Reino Unido de Portugal e Algarves, o Rio viu-se diante de uma revolução que desencadeou o processo de urbanização da cidade, provocando uma radical mudança política, econômica, social e cultural, e fornecendo os ingredientes necessários ao surgimento de uma música popular brasileira, e ali um pouco mais adiante, do Choro.


Um desses lançamentos que vem na onda dos 200 anos do período joanino é a série de CDs intitulada "A música na corte de D. João VI" composta por quatro álbuns: "Te deum & Requiem", "Modinhas cariocas", "O sacro e o profano", e "Missa de Nossa Senhora da Conceição". Saiu pela Biscoito Fino, com direção geral de Edino Krieger. O objetivo da série é desenhar um panorama da música que a corte portuguesa encontrou ao aportar por aqui nos idos de 1808; para isso, todas as gravações foram feitas a partir de partituras e outros documentos da época.
Dos quatro discos lançados, um é particularmente especial para quem deseja conhecer a fundo a história do surgimento do Choro, e por extensão, da música popular brasileira: trata-se do "Modinhas cariocas", que traz Modinhas e Lundus de autoria de Candido Ignacio da Silva, Gabriel Fernandes da Trindade e Joaquim Manoel Gago da Camera, todos compositores brasileiros em atividade no primeiro quarto do século XIX. As 21 faixas do CD são magistralmente executadas por um quinteto formado por Luciana Costa e Silva (meio soprano), Marcelo Coutinho (barítono), Paulo da Mata (flauta), Marcus Ferrer (viola caipira) e Marcelo Fagerlande (cravo e direção musical). As gravações foram feitas ao vivo no Salão Leopoldo Miguez da Escola de Música da UFRJ, em dezembro de 2007.

O encarte, muito bem elaborado, traz informações detalhadas sobre as faixas e um pequeno texto de Marcelo Fagerlange onde fica clara a intenção e o esforço feito afim de interpretar as músicas de maneira fiel ao período em que foram compostas, inclusive procurando reproduzir o timbre dos instrumentos do passado:
Reunimos em nosso CD a viola de arame [o mesmo que viola caipira] e o cravo - amplamente citados na época para o acompanhamento de modinhas - além da flauta, instrumento bastante encontrado na iconografia do período. (...) A utilização tardia do cravo no Brasil é documentada em diversas fontes, especialmente para acompanhar modinhas.(...) Em nossa gravação pode ser ouvido um instrumento de um teclado, cópia de um modelo italiano, semelhante aos instrumentos portugueses possivelmente tocados no Brasil.(...) Usamos em nossa interpretação de um recurso muito próprio das modinhas, a ornamentação.(...) Procuramos também resgatar uma prática da época, a das variações.(...)
Todo esse empenho valeu a pena, pois ao ouvir o disco me senti transportado através do tempo para o Rio das primeiras décadas do século XIX. Um ótimo álbum, e ainda mais interessante para aqueles que conhecem ao menos um pouco de Choro; vários elementos típicos da linguagem já aparecem ali, naquelas bicentenárias modinhas e lundus: os diálogos contrapostísticos entre os instrumentos, o fraseado, ora brejeiro e cheio de leveza, ora dolente e sentimental, os acompanhamentos já bastante similares às levadas utilizadas atualmente por cavaquinho e violão, e como bem disse o diretor musical Marcelo Fargerlange, também estão ali a variação e a ornamentação dos motivos melódicos, tão comuns ao Choro e tão disseminados pelo gênio de grandes intérpretes como Jacob do Bandolim e Altamiro Carrilho. Impossível ouvir e não associar de imediato às polcas de Joaquim Callado, aos maxixes de Chiquinha Gonzaga, aos Schottishes de Anacleto de Medeiros ou aos tangos de Ernesto Nazareth; ou até mesmo representantes de fases mais amadurecidas da linguagem, como João Pernambuco e Zequinha de Abreu.
Os comentários de flauta no lundu "Graças aos ceos" (na grafia da época) composto por Gabriel Fernandes da Trindade, poderiam tranqüilamente ter sido feitos por Pixinguinha, tamanha é a familiaridade entre os gêneros.

E ainda tem gente que acha que o Choro teve influência foi do Jazz...

Modinha e Lundu

Gêneros musicais bastantes populares no Brasil durante o século XIX, a Modinha e o Lundu são influência marcante e decisiva na formação do Choro. São gêneros bastante semelhantes, sendo que a Modinha é luso-brasileira e
de caráter romântico e sentimental, com músicas mais arrastadas e chorosas; já o Lundu é afro-brasileiro, e a temática é mais maliciosa, por vezes satírica, com melodias mais ligeiras e alegres.
A coexistência e afinidade dos dois pode ser confirmada pelo fato de que os compositores de Lundu também compunham Modinhas, e vice-versa: é o caso de Domingos Caldas Barbosa e Xisto Bahia, nomes de destacados de suas épocas.

Sobre o disco








A música na corte de D. João VI - Modinhas Cariocas

Luciana Costa e Silva - meio-soprano
Marcelo Coutinho - barítono
Paulo da Mata - flauta
Marcus Ferrer - viola caipira

Marcelo Fagerlande - cravo e direção musical

Ano: 2008
Gravadora: Biscoito Fino

Faixas:

1. Lá no Largo da Sé (Candido I. da Silva)
2. Batendo linda plumagem (Gabriel F. de Trindade)
3. Se queres saber a causa (Joaquim M. G. da Camera)
4. Estas lágrimas
(Joaquim M. G. da Camera)
5. Ouvi montes (Joaquim M. G. da Camera)
6. Desde o dia em que eu nasci (Joaquim M. G. da Camera)
7. Vem cá minha companheira (Joaquim M. G. da Camera)
8. Nestes bosques (Joaquim M. G. da Camera)
9. Si te adoro (anônimo)
10. Graças aos ceos
(Gabriel F. de Trindade)
11. Quando não posso avistar te (Gabriel F. de Trindade)
12. Triste cousa (Joaquim M. G. da Camera)
13. Foi o momento de ver-te (Joaquim M. G. da Camera)
14. Hum só tormento d'amor (Candido I. da Silva)
15. Erva mimoza do campo (Gabriel F. de Trindade)
16. Adorei hum'alma impura (Gabriel F. de Trindade)
17. A hora que não vejo (Candido I. da Silva)
18. Roxa saudade (Joaquim M. G. da Camera)
19. Quando as glorias que gosei (Candido I. da Silva)
20. Busco a campina serena (Candido I. da Silva)
21. Porque me dises chorando (Joaquim M. G. da Camera)

Cotação Quintal do Choro: ótimo