sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Pesquisando a Música Brasileira na Internet


tínhamos comentado aqui sobre o site do Instituto Moreira Salles, que disponibiliza na Internet todo o seu acervo fonográfico, contendo gravações históricas das primeiras décadas do século XX.


Há além dele há outros sites que são verdadeiras referências nas pesquisas sobre Choro e Música Brasileira que venho fazendo nos últimos anos. São eles:

1. Acervo do Instituto Moreira Salles

Já comentado aqui no Quintal, o site disponibiliza seu vasto acervo fonográfico para consulta on-line. O Instituto Moreira Salles herdou grandes coleções de discos de 78 rotações, como a do musicólogo Mozart Araújo e do jornalista e pesquisador José Ramos Tinhorão.
Além do acervo musical, há também coleções literárias e fotográficas disponíveis.

2. Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira


Associado ao nome do pesquisador Ricardo Cravo Albin, o Dicionário é vastíssimo, e possui milhares de verbetes, entre biografias, gêneros musicais, instrumentos musicais, etc. A abrangência de estilos também é enorme, e o site engloba todos os tipos de música já produzidos no Brasil, de Pixinguinha a Sepultura, de Roberto Carlos a Villa-Lobos.
Algumas biografias estão um pouco desatualizadas, ou carentes de algumas informações importantes, mas ainda assim o Dicionário é um ótimo ponto de partida para pesquisas.

3. Discos do Brasil

Criado e produzido pela jornalista e musicóloga Maria Luiza Kfouri o site possui um banco de dados com informações detalhadas de mais de 5.500 discos que fazem parte da coleção pessoal da autora.
É uma ferramenta muito útil para quem deseja pesquisar a discografia brasileira mais recente, e o mecanismo de busca é bastante eficiente e permite pesquisar por nome do disco, intérprete, músico, arranjador, compositor, etc. O site permite também a audição de alguns segundos de cada música catalogada.
É possível, por exemplo, buscar por "Dino 7 cordas" no campo "Músico", e a pesquisa retorna uma lista de todas as gravações de que Dino participou. Claro, dentre os discos que fazem parte do acervo.

4. Discografia Brasileira em 78 rpm

Contém um catálogo muito grande de discos de 78 rotações produzidos no Brasil de 1902 a 1964. O mecanismo de busca não é muito sofisticado, e também não é possível ouvir os fonogramas, apenas ter as informações sobre os discos.
Vale a pena porque podemos encontrar discos que não são encontrados nos outros sites, como no do Acervo do Instituto Moreira Salles.

Boas pesquisas!

De volta ao Quintal


Olá, pessoal.


Fiquei sem computador quase todo o mês de novembro, então o Quintal ficou meio abandonado nesse tempo. Mas agora estou de volta, e já estão no forno novos artigos sobre Choro e música brasileira de forma geral.

Até mais!

domingo, 2 de novembro de 2008

"Choro - do quintal ao Municipal", de Henrique Cazes


Henrique Cazes: outro discípulo de Radamés Gnatalli, autor de um dos mais importantes livros sobre a história do Choro lançados nos últimos anos.

Henrique Cazes é parte de uma geração que, criada no ambiente da roda de Choro, acabou sendo lapidada pelo talento, criatividade e liderança do (já na época) veterano Radamés Gnatalli. O resultado dessa união de gerações foi a inesquecível Camerata Carioca, grupo que expandiu as fronteiras do formato regional na década de 80, se tornando um tornando uma referência definitiva dentro do Choro, e sobre o qual falaremos mais profundamente em artigos futuros. Depois da experiência na Camerata, Henrique trilhou uma prolífica carreira como instrumentista (cavaquinhista), lançando inclusive discos solo, e também como arranjador.

Sua primeira incursão no mercado literário foi o livro didático "Escola moderna do cavaquinho", lançado em 1988 pela editora Lumiar. Somente mais de uma década depois, em 1999, é que viria a lançar aquela que eu considero como sua obra-prima: "Choro - do quintal ao Municipal".

Por revelar a história do gênero a partir do ponto de vista de um músico que participou intensamente dela, "Choro - do quintal ao Municipal" é um livro único. A abordagem é quase puramente histórica, sem maiores análises técnico-musicais, e a leitura torna-se bastante descontraída pelo fato de que, apesar de seguir uma linha cronológica bem definida, a narrativa é organizada por assuntos que não necessariamente se encadeiam no tempo.
Um ponto forte do livro - e que na minha opinião é algo que tem faltado a muitos autores, acabando por cair numa pretensa imparcialidade - é que Henrique não se furta em emitir sua opinião pessoal, definindo claramente seus pontos de vista, sem se acanhar em dar "chutes" e deduzir fatos a partir de seu conhecimento e de seu faro de historiador. Por exemplo, eis o que ele nos diz dos sobre os maxixes "Morro do Pinto" e "Morro da Favela", de Pixinguinha, no capítulo dedicado ao mesmo:

"(...) é difícil entender como um autor que já havia apresentado o sofisticado 'Dominante', e logo depois mostraria tantas músicas geniais, fizesse algo tão simplório quanto os dois Maxixes. Ou essas músicas não eram de Pixinguinha, ou ele tentou se aproximar de um formato mais simples e acabou se descaracterizando."

Henrique toca sem pudor em assuntos que sem dúvida são motivo de controvérsia e dividem opiniões, chegando a criticar veementemente as letras de música de Hermínio Bello de Carvalho, poeta e compositor, um dos mais importantes produtores musicais do Brasil. Acontece no capítulo 26, "Choro cantado, um assunto polêmico", quando comenta sobre a inclusão de letras em choros de autores já falecidos:

"No caso de Hermínio [Bello de Carvalho], sente-se um desinteresse pelo clima sugerido pela melodia e, por mais alegre que ela seja, o letrista está sempre falando de amores fracassados. Exemplo agudo do descaso de Hermínio com o clima da melodia é o alegre e quase humorístico 'Escorregando', de Nazareth, e cuja letra começa com: 'Meu coração é um manguezal ameaçado de extinção'. Por essas e outras, o Choro cantado tem tantos opositores."

Acredito ser muito importante essa parcialidade assumida, pois Henrique Cazes é um músico de peso e cuja obra e trajetória gabaritam a opinar com conhecimento de causa acerca dos diversos assuntos que a história do Choro abrange. Não se tratam de opiniões levianas e o autor passa longe da crítica gratuita, nem tampouco percebe-se nele o desejo de polemizar. Apenas opina sem pudor em certos pontos do texto, o que acho muito válido, como já disse; dar "pitaco" é algo permitido justamente pelo fato do autor ser um grande músico.
Indo um pouco além das opiniões, a parcialidade também se revela no fato de que Henrique claramente "puxa brasa pra sua sardinha", e acabam sendo bastante numerosas as citações a Radamés Gnatalli (com quem conviveu intensamente) e aos trabalhos dos quais o autor fez parte, como a Camerata Carioca.
Outro ponto alto é o capítulo 16, "A roda de Choro ontem e hoje", que garante boas risadas com vários "causos" ocorridos em rodas de Choro freqüentadas pelo músico.

"Choro - do quintal ao Municipal" é um livro indispensável do Choro, e não poderia deixar de figurar aqui em nossa Biblioteca.



Choro - do quintal ao Municipal
Henrique Cazes

Ano de lançamento: 1999
Editora: 34
232 páginas

Geralmente coloco o link para compra do produto pelo próprio site da editora ou gravadora, mas a editora 34 está com a página em construção. Também no site do autor não há como comprar o livro. Então aqui vai o link para compra na Saraiva, que foi o único lugar onde encontrei:

Saraiva.com.br

Visite também:

Site Henrique Cazes

Site Editora 34

Cotação Quintal do Choro: ótimo

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

A estréia solo de Maurício Carrilho


Este é o primeiro artigo da série "Discoteca do Choro", onde comentarei os discos mais relevantes do gênero, sejam eles recentes ou antigos: o que vale para entrar na Discoteca é a importância histórica.




Maurício Carrilho: nome mais importante do Choro na atualidade.

Maurício Carrilho é, sem sombra de dúvida, o nome mais importante do Choro na atualidade, participando direta ou indiretamente de boa parte dos lançamentos ligados ao gênero. Além de excelente violonista, tem grande destaque também como compositor, arranjador, produtor, pesquisador e educador. Um gênio.
Maurício, muito mais que um simples chorão, é um defensor incansável da linguagem e da cultura do Choro.

Com a carreira iniciada em 1977, aos 20 anos, como integrante do grupo Os Carioquinhas (do qual também participavam os irmãos Raphael
e Luciana Rabello, e Celsinho Silva) Maurício manteve uma trajetória destacada e rica dentro da música brasileira. No entanto, o primeiro disco a levar apenas seu nome só saiu quando ele já contava mais de 20 anos de estrada.

Lançado no ano 2000 pela Acari Records, o CD "Maurício Carrilho" é um trabalho autoral, com músicas e arranjos do Maurício, e conta com o próprio no violão (ás vezes de 6, às vezes de 7 cordas) e mais um timaço de músicos: Luciana Rabello, Altamiro Carrilho, Celsinho Silva, Jorginho do Pandeiro, João Lyra, Jessé Sadoc, Pedro Aragão, Leonardo Miranda, Nailor Proveta, Hugo Pilger, Bernardo Bessler, entre outros.

São vários os motivos que fazem desse disco um novo capítulo na história do Choro, a começar pelas composições: Maurício acerta em cheio ao conseguir modernizar sem se desligar da tradição; é inovador sem a pretensão de querer reinventar a roda: apenas segue adiante e dá um passo além dos que já foram dados pelas gerações anteriores. Os arranjos e interpretações só vêm reiterar essa "modernidade tradicional", explorando formações diversas, às vezes expandindo os limites e possibilidades do consagrado formato de regional, e outras experimentando agrupamentos menos comuns, como um trio de saxofone tenor, flugelhorn e violão de 7 cordas (na valsa "Sinuosa"), ou um quarteto de violino, clarinete, cavaquinho e violão de 7 cordas (em "Um baile em Villa-Boa").
Além disso, o disco traz de volta à cena alguns gêneros muito importantes na formação da linguagem do Choro, mas que acabaram sendo negligenciados pelos compositores das últimas décadas, como o Schottish ("Luzeiro de Paquetá") e a Quadrilha ("Um baile em Villa-Boa").

Percebe-se também a preocupação de Maurício em agregar elementos de outros gêneros, como a música cubana, na faixa "Choro Cubano",
e também em retratar os personagens de seu tempo e de seu cenário musical. Com isso temos várias faixas dedicadas à outros músicos; é o caso de "Serenata pro Pilger" (dedicada ao violoncelista Hugo Pilger), "Proveta na madrugada" (para o clarinetista Nailor Proveta), "Leonardo na polca" (para o flautista Leonardo Miranda), "O turbante do Joel" (para o bandolinista Joel Nascimento), "Tio Tamiro na farra" (para o tio e flautista Altamiro Carrilho), "Um choro pra Anna" (à violonista e esposa Anna Paes) e "Lulu espinafrando" (para a cavaquinhista Luciana Rabello).
O encarte traz informações detalhadas de cada faixa e comentários do próprio Maurício sobre a composição de cada uma delas.

É um álbum obrigatório pra quem gosta de Choro, e aponta novos caminhos que o Maurício fez o imenso favor de desbravar pra gente. Imperdível!

E para não dizerem que eu só falei bem do disco, confesso que senti falta de duas coisas: maior participação do bandolim (só aparece em uma faixa) e aquela baixaria do 7 cordas mais destacada, "na cara".

Mas não deixe de ouvir!












Maurício Carrilho


com

Maurício Carrilho - violão, violão de 7 cordas, composições e arranjos

Altamiro Carrilho - flauta
Andréa Ernest Dias - flautim

Antônio Augusto - trompa

Arismar do Espírto Santo - baixo

Bernardo Bessler - violino

Celsinho Silva - pandeiro

Cristiano Alves - clarinete

Eliezer Rodrigues - tuba e bombardino

Hugo Pilger - violoncelo

Jessé Sadoc - trompete e flugelhorn
João Lyra - violão

Jorginho do Pandeiro - pandeiro e percussões

Leonardo Miranda - flauta
Luciana Rabello - cavaquinho
Marcelo Bernardes - flauta

Nailor Azevedo (Proveta) - clarinete e sax. tenor

Pedro Aragão - bandolim

Sérgio de Jesus - trombone

Ano: 2000
Gravadora: Acari Records


Faixas:

1. Serenata pro Pilger (choro)

2. Choro cubano (choro)

3. Sinuosa (valsa)

4. Proveta na madrugada (choro)

5,6,7,8 e 9. Um baile em Villa-Boa (quadrilha em 5 partes)
10. Leonardo na polca (polca)

11. O turbante do Joel (polca)

12. Luzeiro de Paquetá (schottish)
13. Tio Tamiro na farra (choro)

14. Um choro pra Anna (choro)

15. Lulu espinafrando (choro)


Cotação Quintal do Choro: ótimo

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Ouvindo Choro na internet


Uma das maiores dificuldades de se pesquisar sobre o Choro é encontrar em CD as gravações mais antigas. É incrível o descaso das gravadoras em relação ao gênero, e para se ter uma idéia da situação, basta dizer que Raphael Rabello, nome relativamente recente na história do Choro, ainda não teve toda sua discografia lançada em CD.

Além disso, muitas das reedições digitais de discos 78 rpm e LPs são mal-feitas, com encartes pobres e carentes de informações.

A grata exceção é a gravadora Revivendo, que traz um vasto catálogo com coletâneas de músicas lançadas originalmente em "bolachões" de 78 rpm, sempre com alta qualidade de som (as gravações originais recebem tratamento para limpar o forte ruído, típico do som dos discos antigos) e trazendo encartes ricos em informações.
A gravadora já lançou CDs com a obra de Chiquinha Gonzaga, Patápio Silva, Benedito Lacerda, Os Oito Batutas, e de outros nomes fora do Choro, como Ary Barroso e Luiz Gonzaga.

Nesse cenário, a Internet desponta mais uma vez como o meio mais democrático para a divulgação da cultura, sendo a melhor fonte onde encontrar as gravações mais antigas do Choro. Além dos programas de troca de arquivos (emule, bit-torrent, etc) e dos diversos blogs que disponibilizam música para download, uma ótima opção é o site do acervo do Instituto Moreira Salles.
O IMS reúne vários acervos de discos de 78 rpm, entre eles, os acervos de José Ramos Tinhorão e Mozart Araújo, e reúne mais de 100 mil músicas. Tudo isso está sendo digitalizado e disponibilizado para pesquisa e audição na internet. Então basta pesquisar a música que você procura e ouvir no próprio site.
É possível encontrar verdadeiras relíquias, como as gravações da Banda do Corpo de Bombeiros, regida por Anacleto de Medeiros, ou as primeiras gravações de Pixinguinha, no grupo Choro Carioca, tudo nos primeiros anos de 1900.
Imperdível!


Clique aqui para ir para o Acervo do IMS.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O vídeo de Jacob do Bandolim


Outro vídeo que já rola na internet há certo tempo, mas que por sua relevância não poderia deixar de ser publicado aqui no Quintal.

Na minha opinião, Jacob do Bandolim é o segundo nome mais importante da história do Choro, só perdendo para Pixinguinha.
A exemplo de outros grandes nomes de sua e de épocas anteriores, os registros videográficos de Jacob são raríssimos, se resumindo a poucos segundos de vídeo sem áudio, parte de uma entrevista cedida a um repórter da Rede Globo, na década de 1960.
Haveriam muito mais vídeos não fosse um incêndio que destruiu o arquivo da Rede Record, acabando com os registros do programa "Noite dos Choristas", apresentado por ele na década de 1950.

O vídeo a seguir está disponível para download no site do Instituto Jacob do Bandolim. Vale a pena visitar, pois há também partituras, músicas em MP3 e muitas informações sobre este grande mestre do Choro.

Vamos ao vídeo!

terça-feira, 23 de setembro de 2008

"O Choro", de Alexandre Gonçalves Pinto


Esta é a primeira resenha da série Biblioteca do Choro, onde comentarei os principais livros ligados ao gênero. A exemplo da "Biblioteca", haverá também a Discoteca do Choro, com resenhas de discos, que já está sendo preparada.


Alexandre Gonçalves Pinto, o "Animal".

Não há dados biográficos precisos sobre Alexandre Gonçalves Pinto: conhecido como "Animal", ele provavelmente viveu entre 1870 e 1940, era carteiro e músico amador, tocava violão e cavaquinho.
O nome do Animal ficou imortalizado por conta do livro que publicou em 1936: "O Choro - reminiscências dos chorões antigos". Narrado em primeira pessoa, é um livro de memórias, que fala sobre as pessoas, as festas, e os costumes que Alexandre vivenciou nos seus muitos anos de Choro.

Muitas características fazem de "O Choro" um livro único. Em primeiro lugar, é dos poucos documentos a falar sobre o ambiente do Choro no Rio de Janeiro no final do século XIX e começo do século XX, trazendo centenas de pequenas notas biográficas sobre os chorões do período, muitos dos quais provavelmente nunca saberíamos da existência não fosse o livro. Há espaço também para falar de nomes já famosos na época, como Joaquim Callado, Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros, Luperce Miranda, Catulo da Paixão Cearense, etc. A linguagem é exagerada, sentimental e saudosista na maior parte do tempo.
Outra característica marcante do livro são os erros, tanto históricos como gramaticais; Alexandre conta, por exemplo, que Villa-Lobos tocava violino, quando na verdade tocava violoncelo e violão; também diz que o pai de Pixinguinha era um excelente flautista, coisa desmentida pelo próprio Pixinguinha; chega a afirmar que "a polka é como o samba - uma tradição brasileira"; enfim, os erros são inúmeros, mas deliciosos, pois acabam por transformar a narrativa numa conversa descontraída com o autor. É como sentar-se e ouvir as histórias de um velho chorão, sem cometer a indelicadeza de interrompê-lo mesmo quando se percebe que disse algo errado; somente ouvir e viajar nas memórias.

O livro começa com uma carta de Catullo da Paixão Cearense ao autor, datada de 28 de outubro de 1935. Ao que parece, o Animal pediu a Catullo para revisar e prefaciar o livro, coisa que não teria sido possível, conforme podemos constatar no primeiro parágrafo da carta publicada:
"O prefacio que me pediste para teu livro, fica para outra vez. Não te posso ser util nas correcções dos erros, porque só uma revisão geral poderia melhoral-o, o que é impossível, depois de o teres quase prompto."
E Catullo prossegue, já preparando o espírito do leitor:
"O leitor, porém, se deliciará com a sua leitura, fechando os olhos aos desmantelos grammaticaes, revivendo comtigo a historia desses chorões, que te ficarão devendo eternamente o serviço que lhes presta, arrancando-os do esquecimento. Só mesmo tu, com o teu grande coração, serias capaz de uma obra tão saudosa para os que, como eu, viveram naqueles tempos de immarcesciveis recordações."
A primeira edição saiu em 1936, impressa pela Typografia Glória. A segunda só sairia 32 anos depois, em 1978, pela FUNARTE, em edição fac-similar à primeira, ou seja, uma cópia exata como uma xerox, sem revisões ou correções. As duas edições estão esgotadas, naturalmente, sendo um dos tesouros que colecionadores e pesquisadores buscam pelos sebos. Há exemplares nas principais bibliotecas do Rio, mas não sei se estão disponíveis para consulta, já que se trata de um livro raro. A edição que eu li foi a de 1978; encontrei-a por acaso na biblioteca de um grande amigo, o maestro Isaías Ferreira, o Zazá, e peguei emprestada.



A esquerda, a capa da primeira edição de 1936; à direita, a capa da edição fac-similar da FUNARTE, de 1978: por dentro, tudo idêntico à primeira edição.

A boa notícia é que a Acari Records (gravadora especializada em Choro, criada por Maurício Carrilho e Luciana Rabello em 1999) promete uma nova edição para 2009.

Agora é esperar e correr pras livrarias!

Cotação Quintal do Choro: ótimo

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Partitura na roda de Choro?!


Roda de Choro na Praça São Salvador: violão, cavaquinho, flauta, pandeiro e... partitura?!

Já na primeira roda de Choro da qual participei, quando estudava na EPM, a cavaquinista Luciana Rabello disse: "Partitura na roda de Choro não dá!", chamando a atenção de alguns alunos que liam as músicas em vez de tocar de cor.

Eu participava de todas as rodas da escola, e cada vez aprendia mais: ia pegando um acorde aqui, outro ali, treinando o ouvido, conhecendo músicas, expandindo meu repertório. Me surpreendi quando certo dia consegui acompanhar ao violão, sem nunca ter ouvido antes, uma valsa que Álvaro Carrilho assobiava em sua flauta. Foi aí que eu entendi as palavras da Luciana, meses antes. "Partitura na roda de Choro não dá!". Se eu estivesse lendo, em vez de tocar de cor, ou tentar acompanhar na hora (como acontecia quase sempre, pois eu não conhecia a
maioria das músicas) nunca poderia ter aprendido tanto quanto aprendi com aqueles mestres.
E foi apanhando na roda que cresceram e aprenderam todos os mestres do Choro, de Joaquim Callado à Maurício Carrilho.

Foi exatamente por isso que me surpreendi ao ver a foto acima ilustrando uma matéria que saiu hoje no caderno Rio Show, do jornal O GLOBO. Assinada por Jefferson Lessa e Lauro Neto, a reportagem fala sobre a Praça São Salvador (no Rio, bairro de Laranjeiras), seus bares, freqüentadores e a roda de Choro que ela abriga todos os domingos.
Na foto, tudo que uma roda de Choro das boas têm direito: violão, violão 7 cordas, cavaquinho, pandeiro, flauta, clarinete, acordeon... mais aí, dividindo o espaço e tapando a visão entre os músicos, estão lá elas, as partituras!

Desde o começo dessa década o Choro vem embalado num vigoroso processo de revitalização e muitos músicos vêm (re)descobrindo e se dedicando ao gênero. No entanto, para que todo esse movimento não seja apenas uma fase e venha a levar, de fato, o Choro de volta ao centro de nosso cenário musical, esses iniciantes precisam ouvir as palavras de Luciana Rabello, uma das maiores mestras da atualidade:

Partitura na roda de choro não dá!

Um vídeo de uma roda no IV Festival Nacional do Choro, em fevereiro 2008, com professores e alunos, e sem partitura.
Dá-lhe Proveta!



domingo, 7 de setembro de 2008

Chorinho na Barca


Desde julho e até o fim desse ano estará acontecendo o "Chorinho na Barca".
Não percam, é com o pessoal da Escola Portátil de Música: Maurício Carrilho, Luciana Rabello, Pedro Paes, Paulo Aragão, Álvaro Carrilho, Pedro Amorim, Celsinho Silva, Oscar Bolão... só craque!

Clique na imagem.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

As mais remotas raízes do Choro em CD


Apesar do descaso costumeiro do Brasil em relação à própria História, os 200 anos da chegada de D. João VI ao Rio de Janeiro - marco do desenvolvimento urbano da cidade - estão sendo bem lembrados.


Agora em 2008 são comemorados os 200 anos da chegada da Família Real Portuguesa ao Rio de Janeiro, e por toda a cidade a data está sendo lembrada com exposições, concertos e vários lançamentos em livro e disco que resgatam a história, a cultura e a sociedade da época. Quando transformou-se na capital do Reino Unido de Portugal e Algarves, o Rio viu-se diante de uma revolução que desencadeou o processo de urbanização da cidade, provocando uma radical mudança política, econômica, social e cultural, e fornecendo os ingredientes necessários ao surgimento de uma música popular brasileira, e ali um pouco mais adiante, do Choro.


Um desses lançamentos que vem na onda dos 200 anos do período joanino é a série de CDs intitulada "A música na corte de D. João VI" composta por quatro álbuns: "Te deum & Requiem", "Modinhas cariocas", "O sacro e o profano", e "Missa de Nossa Senhora da Conceição". Saiu pela Biscoito Fino, com direção geral de Edino Krieger. O objetivo da série é desenhar um panorama da música que a corte portuguesa encontrou ao aportar por aqui nos idos de 1808; para isso, todas as gravações foram feitas a partir de partituras e outros documentos da época.
Dos quatro discos lançados, um é particularmente especial para quem deseja conhecer a fundo a história do surgimento do Choro, e por extensão, da música popular brasileira: trata-se do "Modinhas cariocas", que traz Modinhas e Lundus de autoria de Candido Ignacio da Silva, Gabriel Fernandes da Trindade e Joaquim Manoel Gago da Camera, todos compositores brasileiros em atividade no primeiro quarto do século XIX. As 21 faixas do CD são magistralmente executadas por um quinteto formado por Luciana Costa e Silva (meio soprano), Marcelo Coutinho (barítono), Paulo da Mata (flauta), Marcus Ferrer (viola caipira) e Marcelo Fagerlande (cravo e direção musical). As gravações foram feitas ao vivo no Salão Leopoldo Miguez da Escola de Música da UFRJ, em dezembro de 2007.

O encarte, muito bem elaborado, traz informações detalhadas sobre as faixas e um pequeno texto de Marcelo Fagerlange onde fica clara a intenção e o esforço feito afim de interpretar as músicas de maneira fiel ao período em que foram compostas, inclusive procurando reproduzir o timbre dos instrumentos do passado:
Reunimos em nosso CD a viola de arame [o mesmo que viola caipira] e o cravo - amplamente citados na época para o acompanhamento de modinhas - além da flauta, instrumento bastante encontrado na iconografia do período. (...) A utilização tardia do cravo no Brasil é documentada em diversas fontes, especialmente para acompanhar modinhas.(...) Em nossa gravação pode ser ouvido um instrumento de um teclado, cópia de um modelo italiano, semelhante aos instrumentos portugueses possivelmente tocados no Brasil.(...) Usamos em nossa interpretação de um recurso muito próprio das modinhas, a ornamentação.(...) Procuramos também resgatar uma prática da época, a das variações.(...)
Todo esse empenho valeu a pena, pois ao ouvir o disco me senti transportado através do tempo para o Rio das primeiras décadas do século XIX. Um ótimo álbum, e ainda mais interessante para aqueles que conhecem ao menos um pouco de Choro; vários elementos típicos da linguagem já aparecem ali, naquelas bicentenárias modinhas e lundus: os diálogos contrapostísticos entre os instrumentos, o fraseado, ora brejeiro e cheio de leveza, ora dolente e sentimental, os acompanhamentos já bastante similares às levadas utilizadas atualmente por cavaquinho e violão, e como bem disse o diretor musical Marcelo Fargerlange, também estão ali a variação e a ornamentação dos motivos melódicos, tão comuns ao Choro e tão disseminados pelo gênio de grandes intérpretes como Jacob do Bandolim e Altamiro Carrilho. Impossível ouvir e não associar de imediato às polcas de Joaquim Callado, aos maxixes de Chiquinha Gonzaga, aos Schottishes de Anacleto de Medeiros ou aos tangos de Ernesto Nazareth; ou até mesmo representantes de fases mais amadurecidas da linguagem, como João Pernambuco e Zequinha de Abreu.
Os comentários de flauta no lundu "Graças aos ceos" (na grafia da época) composto por Gabriel Fernandes da Trindade, poderiam tranqüilamente ter sido feitos por Pixinguinha, tamanha é a familiaridade entre os gêneros.

E ainda tem gente que acha que o Choro teve influência foi do Jazz...

Modinha e Lundu

Gêneros musicais bastantes populares no Brasil durante o século XIX, a Modinha e o Lundu são influência marcante e decisiva na formação do Choro. São gêneros bastante semelhantes, sendo que a Modinha é luso-brasileira e
de caráter romântico e sentimental, com músicas mais arrastadas e chorosas; já o Lundu é afro-brasileiro, e a temática é mais maliciosa, por vezes satírica, com melodias mais ligeiras e alegres.
A coexistência e afinidade dos dois pode ser confirmada pelo fato de que os compositores de Lundu também compunham Modinhas, e vice-versa: é o caso de Domingos Caldas Barbosa e Xisto Bahia, nomes de destacados de suas épocas.

Sobre o disco








A música na corte de D. João VI - Modinhas Cariocas

Luciana Costa e Silva - meio-soprano
Marcelo Coutinho - barítono
Paulo da Mata - flauta
Marcus Ferrer - viola caipira

Marcelo Fagerlande - cravo e direção musical

Ano: 2008
Gravadora: Biscoito Fino

Faixas:

1. Lá no Largo da Sé (Candido I. da Silva)
2. Batendo linda plumagem (Gabriel F. de Trindade)
3. Se queres saber a causa (Joaquim M. G. da Camera)
4. Estas lágrimas
(Joaquim M. G. da Camera)
5. Ouvi montes (Joaquim M. G. da Camera)
6. Desde o dia em que eu nasci (Joaquim M. G. da Camera)
7. Vem cá minha companheira (Joaquim M. G. da Camera)
8. Nestes bosques (Joaquim M. G. da Camera)
9. Si te adoro (anônimo)
10. Graças aos ceos
(Gabriel F. de Trindade)
11. Quando não posso avistar te (Gabriel F. de Trindade)
12. Triste cousa (Joaquim M. G. da Camera)
13. Foi o momento de ver-te (Joaquim M. G. da Camera)
14. Hum só tormento d'amor (Candido I. da Silva)
15. Erva mimoza do campo (Gabriel F. de Trindade)
16. Adorei hum'alma impura (Gabriel F. de Trindade)
17. A hora que não vejo (Candido I. da Silva)
18. Roxa saudade (Joaquim M. G. da Camera)
19. Quando as glorias que gosei (Candido I. da Silva)
20. Busco a campina serena (Candido I. da Silva)
21. Porque me dises chorando (Joaquim M. G. da Camera)

Cotação Quintal do Choro: ótimo

sábado, 30 de agosto de 2008

O encontro de Ernesto Nazareth e Francisco Mignone


Encontrei esse vídeo faz tempo, mas acho que tem muita gente que ainda não conhece.

Nele o grande compositor e pianista Francisco Mignone conta como foi seu encontro com Ernesto Nazareth, na Casa de Música Eduardo Souto em meados de 1917. Mignone estava com 20 e Nazareth com 54 anos, a essa altura já um compositor de sucesso.
Vale sublinhar o trecho em que Mignone relata como Nazareth gostava que sua música fosse tocada; ele teria dito:

Toda a minha música é estropiada, eles tocam tão depressa...o "Apanhei-te Cavaquinho" é um desastre!...

Que isso seja levado em conta pelos novas gerações de músicos que tocam, ou pretendem tocar Ernesto Nazareth...

Vamos ao vídeo!



Ernesto Nazareth (1863-1934)

Um dos maiores nomes da música brasileira, como compositor e como intérprete, transitando com igual desenvoltura entre o erudito e o popular. Dentro do Choro, tem uma importância tão grande que pode ser colocado no mesmo patamar de Pixinguinha, Joaquim Callado e Jacob do Bandolim. Aliás, foi Jacob o responsável pelo resgate muitas músicas de Nazareth, colocando o compositor de vez no repertório das rodas de Choro.
"Odeon", "Brejeiro", "Apanhei-te Cavaquinho" e "Ameno Resedá" estão entre suas mais famosas composições.

Francisco Mignone (1897-1986)

Pianista, compositor e regente, Francisco Mignone foi um músico erudito que por vezes atuou na música popular, ocosiões em que adotava o pseudônimo de Chico Bororó. Como compositor explorou a temática brasileira em diversas peças sinfônicas, sendo um dos principais nomes de nossa música erudita. Atuou no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos; participou do Movimento Modernista de 1922 e foi fundador do Conservatório Brasileiro de Música.
Em 1978 gravou com sua esposa, a também pianista Maria Josefina, um LP inteiramente dedicado às obras de Ernesto Nazareth.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

A letra desconhecida para o "Carinhoso" de Pixinguinha


Pedro Caetano escreveu para o "Carinhoso" uma letra que nunca chegou a ser lançada.

No dia 17 de fevereiro de 1983 faziam dez anos que a música brasileira ficava órfã de Pixinguinha. Na ocasião, o jornal Folha da Manhã, de São Paulo, publicou uma reportagem com o seguinte título: "Há dez anos a MPB perdia seu mestre". O jornalista assinava apenas como J.M.C.

Depois de alguns comentários biograficos a reportagem chegava à uma história bastante curiosa contada pelo pesquisador de música brasileira João Luiz Ferrete, acontecida uma semana antes da entrevista, história esta que aqui transcrevo na íntegra:

Estava o Pedro Caetano em minha casa papeando, quando veio à baila a história de "Carinhoso", cuja música foi composta em 1917. Foi quando ele me contou um episódio inédito sobre a gravação da música em 1937, por Orlando Silva. O cantor, que não gostara da letra de João de Barro, o Braguinha, confidenciou ao seu irmão Edmundo Silva o fato. Este pediu a Pedro Caetano que fizesse outra letra. Orlando chegou a decorar a letra alternativa, mas Braguinha, que era muito esperto, já assinara o contrato para a gravação de sua letra com a RCA Victor. Orlando, que foi ao estúdio disposto a gravar a letra de Pedro Caetano, viu-se forçado, a contragosto, a cantar a letra de Braguinha, esta que todos conhecemos hoje.

Pedro Caetano (1911-1992) nasceu em Bananal, SP, mas mudou-se para o Rio de Janeiro aos 9 anos de idade, onde viveu até o fim da vida. Foi compositor de destaque da chamada Época de Ouro da MPB, tendo Claudionor Cruz como seu mais freqüente parceiro musical. Compôs sambas, marchas e valsas gravadas por grandes nomes como Francisco Alves, Orlando Silva, Cyro Monteiro e Dircinha Batista. As novas gerações sem dúvida o conhecerão pela música "É com esse que eu vou", gravada em 1973 por Elis Regina, aliás, em arranjo bem diferente da gravação original de 1948 com o grupo vocal Quatro Ases e Um Coringa, que foi destaque no carnaval daquele ano. Apesar do grande sucesso artístico, o compositor sempre trabalhou como comerciante de sapatos.
Sobre a letra que escreveu para o "Carinhoso" de Pixinguinha, Pedro Caetano, já na casa dos 70 anos, confessou à reportagem do Folha da Manhã: "Hoje não assinaria uma letra com linguagem tão cafona como esta. Mas o estilo das letras da época era este."

Apesar de achar que qualquer brasileiro sabe (ou pelo menos deveria saber...) de cor e salteado a letra original do Carinhoso, feita pelo Braguinha, aqui vai ela:

Meu coração
Não sei porquê
Bate feliz
Quando te vê


E os meus olhos ficam sorrindo

E pelas ruas vão te seguindo
Mas mesmo assim

Foges de mim

Ah, se tu soubesses

Como eu sou tão carinhoso

E o muito, muito que te quero

E como é sincero o meu amor

Eu sei que tu não fugirias

Mais de mim

Vem, vem, vem, vem


Vem sentir o calor
Dos lábios meus
À procura dos teus

Vem matar esta paixão
Que me devora o coração

E só assim então

Serei feliz, bem feliz

Agora a letra que Pedro Caetano fez atendendo ao pedido do amigo Edmundo Silva, irmão de Orlando Silva, já que não havia agradado ao cantor a letra do Braguinha, esta aí em cima que todos conhecemos. Eis a letra alternativa, que nunca chegou a ser lançada (tente cantá-la sobre a melodia da música e perceba que encaixa perfeitamente):

Na mansidão
Do teu olhar
Meu coração
Viu passear

Uma feliz e meiga bonança
Quis abraçar, sentiu esperança
Mas eu fugi

Sem lhe sorrir

Preso à sensação
Daquele quadro que a ilusão
Descortinou tão docemente

Parte cegamente a suspirar
Por uma luz que mal surgiu
Viu se apagar
Vem, vem, vem, vem

Traz ao fosco brilhar

Dos olhos meus
A caricia dos seus

Vem sentir o quanto é bom

E carinhoso, vem afogar
Este coração
Que a solidão quer matar

Viu só? A letra do Braguinha realmente é melhor, mas não acho que a versão do Pedro Caetano seja assim tão cafona, como o próprio disse.
Curioso é perceber as semelhanças das letras. O vocabulário das duas é comum a qualquer canção romântica, daquela e de qualquer época: "coração", "olhos", "olhar", "feliz", "sorrir", "fugir". Mas perceba que as duas primeiras estrofes passam mais ou menos a mesma imagem, a mesma metáfora. Além disso, e ainda mais interessante, é o que ocorre no fim da 3ª e começo da 4ª estrofes: a melodia de Pixinguinha sugeriu aos dois poetas a mesma letra ("Vem, vem, vem, vem"), e em seguida quase a mesma rima ("meus/teus" e "meus/seus", respectivamente).

Com letra de Braguinha, ou de Pedro Caetano, o fato é: que música maravilhosa!